terça-feira, setembro 25, 2007

Portugalidade...

ALMA PÁTRIA
Excertos de "Arte de ser Português",de Teixeira de Pascoaes




QUALIDADE - Génio de Aventura
No grande Período, cumprimos a Lei de sacrifício, sob a forma de Aventura, enquanto os Povos do Norte, por exemplo, cumprem esta lei de um modo sereno e persistente.Nós cumprimo-la, guiados por uma força de instinto, em ímpetos de expansão dominadora. O instinto conhece a realidade melhor que a inteligência; mas esta calcula o procede reflectidamente, evitando as quedas que sofre aquele, muitas vezes.A nossa herança celto-latina e árabe, tão espontânea e de ansioso aspirar indefinido, subordinou-nos ao génio aventureiro. Tentar destruí-lo é inépcia e loucura, porque ele faz parte integrante do nosso ser. De resto, é uma forma da actividade humana. Devemos educá-lo, amoldando-o, sem o desnaturar, a uma disciplina concordante, consentida, compatível com o poder de iniciativa..


DEFEITO - Falta de Persistência
Podemos dizer que o génio de aventura é uma virtude deste defeito. A aventura não tem continuidade na sua acção. Opera por impulsos que nem sempre se coordenam para um determinado fim. E por isso, a obra empreendida, muitas vezes, morre no seu início.Quando uma virtude ou qualidade enfraquece, logo o seu defeito originário ganha nítido relevo. E assim o génio de aventura, decaído, transformou-se na mais completa falta de persistência. Ela aparece em todas as manifestações da nossa actividade, a cada passo interrompida ou abortada, o que a torna tristemente caricatural.




QUALIDADE - Espírito Messiânico
(…) representa o que há de mais transcendente na personalidade lusitana.O Messianismo aparece com o desastre de Alcácer Quibir, porque a dor, acordando novas qualidades na criatura, transcendentaliza as que ela já possuía. A dor é como um veneno contendo o seu antídoto; esconde na treva de que é feita a matéria de uma nova luz.
E assim, o génio de Aventura, caindo desbaratado, elevou-se depois, religiosamente, em espírito messiânico; e abdicou, neste espírito, o seu poder.
É, portanto o Messianismo a espiritualização da Aventura, a sua incidência religiosa no Infinito, o móbil humano divinizado e individualizado superiormente; o ideal de família, e pátria excedido.
Se esta qualidade tem sido uma coisa vaga, pela névoa sebastianista em que se indefine, podemos, todavia, pressentir as formas da sua futura cristalização…




DEFEITO - Vaidade Susceptível
É outro defeito muito vulgar num Povo que foi grande e decaiu. Inferior e pobre, considera-se ainda possuidor dos bens arruinados. Continua a viver, em sonho, o poderio perdido. Mas, como toda a vida fantástica pressente o próprio nada que a forma, torna-se, por isso mesmo, de uma susceptibilidade infinita, sangrando dolorosamente, ao contacto de qualquer coisa de real que, junto dela, se ponha em contraste revelador da sua alusória aparência.
O português é um herdeiro esbulhado dos seus bens materiais e espirituais. Mas vão dizer-lhe que é pobre !Suprema ofensa ! Não ignora a sua pobreza, porque é vaidoso, mas quer que os outros a ignorem; e serve-se para isso, de todos os meios que iludem, criando o seu drama em que é autor e actor.




QUALIDADE - Sentimento de Independência e Liberdade
Independência, liberdade, quer dizer vida; e vida quer dizer - concordância entre o meio e o fim, obediência do condicional ao absoluto, sacrifício do inferior ao superior, do criador individual e animal à criatura espiritual.
Portugal foi livre, enquanto foi português nas suas obras, enquanto soube realizá-las, obedecendo apenas à sua Vontade vitoriosa.
Sem actividade criadora não há liberdade nem independência. Cada instante de liberdade é preciso construí-lo e defendê-lo como um reduto. Representa um estado de esforço alegre e doloroso; alegre, porque dá ao homem a consciência do seu valor; e doloroso porque lhe exige trabalho nos dias de paz e a vida nas horas de guerra.





DEFEITO - Inveja
O sentimento de independência, o poder de individualidade, é também a virtude deste defeito.
A vil tristeza apagou-nos o carácter, o dom de ser. Somos fantasmas querendo iludir a sua oca e triste condição. Por isso, o valor alheio nos tortura, revelando, com mais clareza, a nossa própria nulidade.Imaginamos, embora erradamente, que a falta de seres vivos, em volta de nós, dá ao nosso ser presença viva.
A Inveja ! Nós vêmo-la, nas trevas, farejar : é um esqueleto de hiena visionando um cemitério…




QUALIDADE - Saudade
A saudade, no mais alto sentido, significa a divina tendência do português para Deus.




DEFEITO - Vil Tristeza
Na sua expressão decadente, patológica, representa a tendência do português para o fantasma.



In Arte de Ser Português, Teixeira de Pascoaes

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